Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Um ex-deputado se encontra com um senador e diz que tem um assunto urgente. Em seguida, liga para o presidente da República e passa o telefone ao senador. O presidente, então, pede para ele “dar um pulinho” no Palácio da Alvorada. No dia combinado, os dois são levados secretamente à residência oficial da presidência por um carro da própria presidência. São cinco e meia da tarde e o presidente os recebe de camiseta, bermuda e chinelos. O ex-deputado então revela o motivo do encontro secreto: executar um plano para espionar um ministro da Suprema Corte, captar alguma frase dúbia que o torne suspeito de fraude eleitoral, prendê-lo e, assim, pavimentar o caminho para um golpe de estado.
O que o presidente e o ex-deputado não sabiam é que, três dias depois, o senador convidado para o plano golpista deduraria todo o esquema justamente para o ministro da Suprema Corte.
Parece o roteiro de um filme dos Trapalhões, mas foi só mais um episódio do Brasil de Bolsonaro. Assim como o soldado Didi Mocó aparecia no final para estragar as missões do Sargento Pincel, Marcos do Val apareceu no final para estragar os planos golpistas de Bolsonaro.
Do Val meteu a boca no trombone em uma entrevista para a Veja em que coloca Jair Bolsonaro como mentor do plano golpista. Depois da publicação, o senador trouxe novas versões em que Bolsonaro aparece apenas como um mero ouvinte, enquanto Daniel Silveira seria o grande articulador do golpismo. Nenhuma das novas versões mudou o que foi relatado no primeiro parágrafo deste texto. Bolsonaro convocou uma reunião no Alvorada com os dois e disponibilizou um carro da presidência para transportá-los secretamente. Na melhor das hipóteses para o então presidente, ele teria presenciado um plano para prender um ministro do STF e impedir a posse do presidente eleito por meio de um golpe de estado. Na pior das hipóteses, ele seria o arquiteto desse plano. Seja como mentor ou prevaricador diante de aliados golpistas, Bolsonaro cometeu crime gravíssimo contra a democracia.
Estranhamente os filhos de Bolsonaro não fizeram o que sempre fazem quando o papai é traído por aliados. Eles costumam atacar ferozmente e convocar outros bolsonarista para aniquilar o traidor em praça pública. Foi assim com Bebianno, com Alexandre Frota, com Joice Hasselmann, com Sergio Moro e tantos outros. Mas com Do Val o tratamento foi o oposto. O senador foi afagado com telefonemas de Flávio e Eduardo Bolsonaro, que lhe apoiaram e ajudaram a fazer com que desistisse de renunciar ao mandato. Ficou evidente que o afago foi uma estratégia para reduzir os danos do estrago já feito pelo aliado trapalhão.
Flávio Bolsonaro fez o que os bolsonaristas fazem diante de situações graves: disse que não houve nada demais e que o episódio relatado por Do Val não configura crime. Flávio admite o encontro do pai com o senador e Daniel Silveira — que já havia sido preso por ameaçar a democracia no ano passado — e em nenhum momento negou o conteúdo do que foi conversado. Sustentou a versão de que Silveira teria feito a proposta enquanto Bolsonaro assistia à proposta de crime calado. O escolhido para ser largado ferido na estrada foi o ex-deputado, que não tem mais foro privilegiado e já voltou para a cadeia por desrespeitar as medidas cautelares impostas pelo STF.
No depoimento dado à Polícia Federal, Do Val apresentou uma versão ajustada — a mesma que foi repercutida por Flávio Bolsonaro — em que Daniel Silveira aparece como o líder golpista e o presidente da República apenas como um espectador inocente, de bermuda e chinelão. Ou seja, Bolsonaro teria oferecido sua residência para a reunião golpista, disponibilizado um carro da presidência para transportá-los secretamente, mas não teria nada a ver com o golpismo proposto. O presidente seria como uma criança sentada à mesa ouvindo calada os adultos tramando um golpe de estado. Convenhamos, é até mais fácil acreditar em mamadeira de piroca do que nisso.
A denúncia de Do Val é apenas mais um indício entre tantos outros da existência de um plano organizado dentro do Palácio do Planalto para impedir a posse de Lula. Está ficando cada vez mais difícil remover as digitais do ex-presidente na tramóia golpista. Em uma das mensagens enviadas por Silveira a Do Val, ele diz que a espionagem de Alexandre de Moraes serviria “para pautar a ação a ser tomada, que já está desenhada e pronta para implementar”.
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad
Espionar Alexandre de Moraes para caçar alguma frase que o torne suspeito de fraude eleitoral e prendê-lo seria o estopim para que se desenrolassem as ações planejadas naquela minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.
As peças estão se encaixando e tudo aponta para Bolsonaro como um dos protagonistas do movimento golpista. O seu ex-ministro da Justiça foi preso por ser conivente e omisso com os bolsonaristas que invadiram e destruíram os prédios dos Três Poderes. O seu braço direito, Valdemar da Costa Neto, deixou claro que a minuta golpista circulou entre toda a cúpula do bolsonarismo sem que ninguém tenha sido repreendido pelo presidente.
Bolsonaro já é oficialmente um investigado no inquérito do STF que apura os atos golpistas de 8 de janeiro. Segundo uma apuração do Estadão, ministros do tribunal garantem que esses novos episódios são suficientes para pedir a quebra de sigilo dele e de outros integrantes da cúpula. E, assim, o cerco vai se fechando.
Há poucos dias, Alexandre de Moraes mandou prender preventivamente 942 golpistas. Talvez seja a hora de prender o principal líder do bando. Bolsonaro está há mais de um mês sem foro privilegiado. Fica a dica.
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